Vida ambulante em busca do sonho constante
Como é que é? É claro que não resta dúvida. O interessado pode perguntar a qualquer um, sem correr o risco da resposta ser diferente. Qualquer um, mesmo. Pode ir lá, eu garanto. Gregório é um dos donos da Rua dos Andradas. Comanda o trecho no Centro de Porto Alegre situado entre a Bento Martins e a João Manoel. Uma área conhecida pelos restaurantes de bife com batatas-fritas a cinco reais, o clássico ala minuta. Mas não pense que é bandido ou chefe de gangue. Muito longe disso. Pode ser considerado o síndico da quadra, a pessoa a quem todos os perdidos e achados recorrem.
Em frente à sua banca, protegida por um guarda-sol e incrementada por uma cadeira de couro e rodinhas, ele vende produtos de beleza há mais de 18 anos. Vende Pierre Alexander e Avon para ser mais exata. Desodorantes, cremes, perfumes e maquiagens para detalhar ainda mais. No mesmo ponto. Ih, não desacredita, não. Pode ir lá ver. É fácil reconhecer o Gregório. Está sempre de botas de cano médio, jeans e, quando está frio, várias camisas de lã e casaco sobrepostos. Possui grandes suíças, cuidadosamente aparadas. Na orelha esquerda, um brinco de prata, e na cabeça, uma vasta cabeleira prateada e bem escovada. Eu até brinco com ele. Lembra um pouco o Elvis. Sabe?
Ele costuma saudar todos os passantes, sejam moradores, clientes, senhoras e, até mesmo os cachorros da rua. Até dos "totós" e "fifis" o Gregório é parceiro. Fica sempre repetindo: "Tudo bom, senhor? Tudo bom, senhora?"
Dizem que ele já fez muita coisa na vida. Eu sei que o nome completo dele é Gregório Carlos Arambarri Rutigliano. Nasceu em Salto, no Uruguai, em 1946, e faz aniversário no dia 11 de março. Sim, é do signo de Peixes e canhoto. O que faz dele um grande articulador social, criativo e sensível. Uma pessoa e tanto.
Passou grande parte da infância em Paso de Los Libres na Argentina. Ele sempre conta que, quando Perón retornou ao poder, prometeu vingar-se dos uruguaios que moravam em território argentino. Sua família, então, voltou para o Uruguai, e Gregório fez professorado, especializando-se em tornearia mecânica na Escola de Arte e Ofício da Universidade de Trabalho do Uruguai.
Sei. Você já deve estar pensando: um torneiro mecânico que virou ambulante? E o que vai achar quando eu contar que ele já foi cantor de orquestra? Ou melhor: cantor em várias orquestras? A primeira delas surgiu na década de 60, chamada Los Dardos. Gregório cantava e criava as composições. Morando em Rivera, criou o Grupo R, formado por cinco músicos, que tocavam guitarra solo, guitarra rítmica, contrabaixo, bateria e teclado. Pela proximidade com a fronteira do Brasil, ele cantava músicas em português, especialmente Roberto Carlos. E, com um repertório de canções melódicas, ganhou vários festivais nos anos de 68 e 69.
A aventura musical de Gregório ainda rendeu outra banda, a Orquestra Tropical, com 12 músicos e ritmo centro-americano. E também, não posso deixar de mencionar, o seu primeiro filho. Ele brinca o tempo todo, falando de sua fase de sedutor. “Todo o músico picoteia aqui, picoteia ali e, na palavra, o cantor tem tudo”. Foi assim que ele conquistou o coração de Teresa Sonia Cros Pedecert. Ela era contadora na Prefeitura e seu pai, um dos donos da Rádio Rivera. Por intermédio dele, o Grupo R gravou um disco. O relacionamento não deu certo, e Alan Michel está hoje com 37 anos e mora em Montevidéu.
Gregório sempre foi muito namorador. Ele confessa isso, e admite ter amado duas mulheres ao mesmo tempo. Ele conta que, se fosse por ele, ficava com as duas, que todo mundo diz que não pode. Ele jura de pés juntos que pode sim. Mas, depois que casou com Celina Irma Ruiz, não teve jeito. Passou a ser fiel e acha que fez uma boa escolha. Conheceu Celina no Consulado do Brasil em Paysandú.
Nessa época, Gregório praticava artes marciais, e trabalhava na Marinha como fuzileiro naval. Estava com o porte mais atlético. Então, foi natural a sugestão do Cônsul para que os namorados viessem trabalhar no Brasil. A única condição: viajariam somente casados. A cerimônia foi providenciada e o casal passou um ano e meio trabalhando no Rio de Janeiro. Gregório como motorista e segurança do Embaixador José Sete Câmara, e Celina como acompanhante da embaixatriz.
Gregório não leva desaforo para casa. Tem jeito de invocado e encrenqueiro. Quando o relacionamento com o embaixador estava desgastado, eles fugiram com o apoio da governanta. Foram passar um tempo em Brasília, na casa de um amigo também uruguaio que era porteiro no Itamaraty. Ele diz que, nessa época, pensavam em voltar para Paysandú. Mas a irmã de Gregório, que é brasileira nascida em Uruguaiana, convenceu o casal a morar em Porto Alegre. E pensar que eles estão no Brasil há 28 anos.
Olha, não foi fácil, não. Gregório fala que chegou aqui e não encontrou nenhuma das maravilhas prometidas pela irmã. O jeito foi morar num apartamento com um grupo de pessoas, e ganhar a vida. E como ele ganhou. Virou funcionário de uma empresa e passou a vender títulos de clubes sociais. Percorria a pé diversos bairros da cidade. Sem descanso, de domingo a domingo. Ele ensina para todo mundo aqui na rua. “Quando a gente vai fazer algo, já se deve pensar nos resultados”. Gregório pensou. A primeira coisa, como ele fala, era assegurar o teto. Ou seja, comprar uma casa. Ele teve tanta perseverança, força de vontade e garra no trabalho que, em cinco meses, comprou à vista uma casa na Vila Monte Cristo, perto da Vila Nova. A família mora lá até hoje.
Eles foram construindo a casa. Dizem que é grande. E que, quando uma parte dela estava encaminhada, Gregório e Celina tiveram um filho. Yônatan Franchesco tem 17 anos. Para garantir o sustento da família, agora ampliada, ele se aventurou por muitos outros caminhos. No fim da década de 80, comprou uma máquina de overlock, sem conhecimento ou prática de costura. Sabia, é claro, pregar botões e coser meias. Foi desmanchando inteiramente um moletom que ele aprendeu a costurar outros.
Passou vários meses comprando tecidos, costurando durante a madrugada e vendendo os produtos nas lojas da cidade. Quando a concorrência aumentou, não teve receio. Desistiu da confecção, e comercializou quadros por um período. Quadros? Sim, fotos emolduradas de artistas como Xuxa, Bob Marley e Charles Chaplin.
Esse estilo de vida de vendedor, permitiu a Gregório conhecer muita gente. Foi um desses amigos, também vendedor de rua, que sugeriu que ele investisse em um novo ramo: cosméticos. Deu certo. De segunda a sexta-feira, ele ocupa o mesmo ponto, em frente ao restaurante Veredas, lugar onde guarda todo o seu material.
O visual desse uruguaio mostra ainda mais. As luvas de couro sem dedos, os óculos escuros, os apetrechos especiais. Muita gente se pergunta onde ele estaciona a moto no Centro. No entanto, poucos sabem que esse era um sonho antigo, que demorou para ser concretizado. Mas que foi possível depois de mais de 20 anos de economias. Em dezembro de 2005, Gregório comprou sua moto, que ele também pagou à vista. Não qualquer moto. Uma especial, estradeira. Uma Honda Shadow 600 cilindradas, para que ele pudesse experimentar ainda mais liberdade. E a celebração do anseio? Uma viagem sobre duas rodas até o Uruguai com o filho Yônathan. Mais de 600 quilômetros de uma trajetória que parece sempre retornar ao início, com os pés no presente e metas bem estabelecidas.
Nesse ponto, depois de tudo o que eu já revelei, você deve estar se questionando: onde estão os problemas? Onde está o conflito? O drama? Isso eu digo. Eles estão ali, onde sempre estiveram, na vida de todas as pessoas que trabalham, batalham e sobrevivem. Mas no Gregório, todas essas coisas ruins ficam escondidas, atrás do seu amplo sorriso e de sua força de vontade, camufladas pelas mãos que doam, mas que também colhem frutos. Ele, que costuma ajudar as pessoas que passam pelo Centro, diz que não sabe o que seria da Rua dos Andradas sem sua presença. Eu digo mais: não sei o que seria do mundo sem pessoas que arriscassem, se aventurassem e conquistassem o próprio espaço como o Gregório.
Em frente à sua banca, protegida por um guarda-sol e incrementada por uma cadeira de couro e rodinhas, ele vende produtos de beleza há mais de 18 anos. Vende Pierre Alexander e Avon para ser mais exata. Desodorantes, cremes, perfumes e maquiagens para detalhar ainda mais. No mesmo ponto. Ih, não desacredita, não. Pode ir lá ver. É fácil reconhecer o Gregório. Está sempre de botas de cano médio, jeans e, quando está frio, várias camisas de lã e casaco sobrepostos. Possui grandes suíças, cuidadosamente aparadas. Na orelha esquerda, um brinco de prata, e na cabeça, uma vasta cabeleira prateada e bem escovada. Eu até brinco com ele. Lembra um pouco o Elvis. Sabe?
Ele costuma saudar todos os passantes, sejam moradores, clientes, senhoras e, até mesmo os cachorros da rua. Até dos "totós" e "fifis" o Gregório é parceiro. Fica sempre repetindo: "Tudo bom, senhor? Tudo bom, senhora?"
Dizem que ele já fez muita coisa na vida. Eu sei que o nome completo dele é Gregório Carlos Arambarri Rutigliano. Nasceu em Salto, no Uruguai, em 1946, e faz aniversário no dia 11 de março. Sim, é do signo de Peixes e canhoto. O que faz dele um grande articulador social, criativo e sensível. Uma pessoa e tanto.
Passou grande parte da infância em Paso de Los Libres na Argentina. Ele sempre conta que, quando Perón retornou ao poder, prometeu vingar-se dos uruguaios que moravam em território argentino. Sua família, então, voltou para o Uruguai, e Gregório fez professorado, especializando-se em tornearia mecânica na Escola de Arte e Ofício da Universidade de Trabalho do Uruguai.
Sei. Você já deve estar pensando: um torneiro mecânico que virou ambulante? E o que vai achar quando eu contar que ele já foi cantor de orquestra? Ou melhor: cantor em várias orquestras? A primeira delas surgiu na década de 60, chamada Los Dardos. Gregório cantava e criava as composições. Morando em Rivera, criou o Grupo R, formado por cinco músicos, que tocavam guitarra solo, guitarra rítmica, contrabaixo, bateria e teclado. Pela proximidade com a fronteira do Brasil, ele cantava músicas em português, especialmente Roberto Carlos. E, com um repertório de canções melódicas, ganhou vários festivais nos anos de 68 e 69.
A aventura musical de Gregório ainda rendeu outra banda, a Orquestra Tropical, com 12 músicos e ritmo centro-americano. E também, não posso deixar de mencionar, o seu primeiro filho. Ele brinca o tempo todo, falando de sua fase de sedutor. “Todo o músico picoteia aqui, picoteia ali e, na palavra, o cantor tem tudo”. Foi assim que ele conquistou o coração de Teresa Sonia Cros Pedecert. Ela era contadora na Prefeitura e seu pai, um dos donos da Rádio Rivera. Por intermédio dele, o Grupo R gravou um disco. O relacionamento não deu certo, e Alan Michel está hoje com 37 anos e mora em Montevidéu.
Gregório sempre foi muito namorador. Ele confessa isso, e admite ter amado duas mulheres ao mesmo tempo. Ele conta que, se fosse por ele, ficava com as duas, que todo mundo diz que não pode. Ele jura de pés juntos que pode sim. Mas, depois que casou com Celina Irma Ruiz, não teve jeito. Passou a ser fiel e acha que fez uma boa escolha. Conheceu Celina no Consulado do Brasil em Paysandú.
Nessa época, Gregório praticava artes marciais, e trabalhava na Marinha como fuzileiro naval. Estava com o porte mais atlético. Então, foi natural a sugestão do Cônsul para que os namorados viessem trabalhar no Brasil. A única condição: viajariam somente casados. A cerimônia foi providenciada e o casal passou um ano e meio trabalhando no Rio de Janeiro. Gregório como motorista e segurança do Embaixador José Sete Câmara, e Celina como acompanhante da embaixatriz.
Gregório não leva desaforo para casa. Tem jeito de invocado e encrenqueiro. Quando o relacionamento com o embaixador estava desgastado, eles fugiram com o apoio da governanta. Foram passar um tempo em Brasília, na casa de um amigo também uruguaio que era porteiro no Itamaraty. Ele diz que, nessa época, pensavam em voltar para Paysandú. Mas a irmã de Gregório, que é brasileira nascida em Uruguaiana, convenceu o casal a morar em Porto Alegre. E pensar que eles estão no Brasil há 28 anos.
Olha, não foi fácil, não. Gregório fala que chegou aqui e não encontrou nenhuma das maravilhas prometidas pela irmã. O jeito foi morar num apartamento com um grupo de pessoas, e ganhar a vida. E como ele ganhou. Virou funcionário de uma empresa e passou a vender títulos de clubes sociais. Percorria a pé diversos bairros da cidade. Sem descanso, de domingo a domingo. Ele ensina para todo mundo aqui na rua. “Quando a gente vai fazer algo, já se deve pensar nos resultados”. Gregório pensou. A primeira coisa, como ele fala, era assegurar o teto. Ou seja, comprar uma casa. Ele teve tanta perseverança, força de vontade e garra no trabalho que, em cinco meses, comprou à vista uma casa na Vila Monte Cristo, perto da Vila Nova. A família mora lá até hoje.
Eles foram construindo a casa. Dizem que é grande. E que, quando uma parte dela estava encaminhada, Gregório e Celina tiveram um filho. Yônatan Franchesco tem 17 anos. Para garantir o sustento da família, agora ampliada, ele se aventurou por muitos outros caminhos. No fim da década de 80, comprou uma máquina de overlock, sem conhecimento ou prática de costura. Sabia, é claro, pregar botões e coser meias. Foi desmanchando inteiramente um moletom que ele aprendeu a costurar outros.
Passou vários meses comprando tecidos, costurando durante a madrugada e vendendo os produtos nas lojas da cidade. Quando a concorrência aumentou, não teve receio. Desistiu da confecção, e comercializou quadros por um período. Quadros? Sim, fotos emolduradas de artistas como Xuxa, Bob Marley e Charles Chaplin.
Esse estilo de vida de vendedor, permitiu a Gregório conhecer muita gente. Foi um desses amigos, também vendedor de rua, que sugeriu que ele investisse em um novo ramo: cosméticos. Deu certo. De segunda a sexta-feira, ele ocupa o mesmo ponto, em frente ao restaurante Veredas, lugar onde guarda todo o seu material.
O visual desse uruguaio mostra ainda mais. As luvas de couro sem dedos, os óculos escuros, os apetrechos especiais. Muita gente se pergunta onde ele estaciona a moto no Centro. No entanto, poucos sabem que esse era um sonho antigo, que demorou para ser concretizado. Mas que foi possível depois de mais de 20 anos de economias. Em dezembro de 2005, Gregório comprou sua moto, que ele também pagou à vista. Não qualquer moto. Uma especial, estradeira. Uma Honda Shadow 600 cilindradas, para que ele pudesse experimentar ainda mais liberdade. E a celebração do anseio? Uma viagem sobre duas rodas até o Uruguai com o filho Yônathan. Mais de 600 quilômetros de uma trajetória que parece sempre retornar ao início, com os pés no presente e metas bem estabelecidas.
Nesse ponto, depois de tudo o que eu já revelei, você deve estar se questionando: onde estão os problemas? Onde está o conflito? O drama? Isso eu digo. Eles estão ali, onde sempre estiveram, na vida de todas as pessoas que trabalham, batalham e sobrevivem. Mas no Gregório, todas essas coisas ruins ficam escondidas, atrás do seu amplo sorriso e de sua força de vontade, camufladas pelas mãos que doam, mas que também colhem frutos. Ele, que costuma ajudar as pessoas que passam pelo Centro, diz que não sabe o que seria da Rua dos Andradas sem sua presença. Eu digo mais: não sei o que seria do mundo sem pessoas que arriscassem, se aventurassem e conquistassem o próprio espaço como o Gregório.
1 Comments:
Eu tive o privilegio de conhecer esta "fra" tendo em vista que toquei no conjunto Los Dardos. atualmente moro em tres corações MG kiko
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